Ele era tudo o que ela queria. Simples assim.

A começar pelos cabelos escuros e bagunçados, pelo seus ombros largos e pelo gosto musical. Ele era atencioso do jeito certo, e sabia fazê-la rir, e não faltava assunto entre eles e claro ele tinha aquela cara de mau que ela sempre gostou, mas ela sabia que ele de mau não tinha nada. Passavam horas juntos que pareciam minutos, tinham tantas coisas em comum, era sempre pra ele que ela corria quando tinha algum problema e com quem queria compartilhar todas as felicidades. Ele era mais que um amigo perfeito e mais que um porto seguro, mais muito mais...

A tarde estava linda, o céu no tom certo de azul e as nuvens espalhadas com graça minimizando o efeito do sol forte de dezembro, ele estava de olhos fechados recostado embaixo da árvore e ela deitada com a cabeça em seu colo concentrada em um livro, um daqueles que não dá vontade de parar até chegar ao final. Tinham passado a manhã toda ali, ele com seus fones observando a praça com os pensamentos que ela nunca fora capaz de decifrar enquanto ela encontrava-se perdida num mundo de fantasias, como já haviam feito várias vezes.

A brisa brincava suavemente com as folhas da árvore e por um momento ela observou o contraste do verde escuro da folhagem com o céu azul claro, então percebeu que os olhos cinzentos a encaravam e por um momento sentiu-se encabular. Incrível como mesmo após anos ele ainda conseguia fazer suas bochechas arderem apenas com um olhar, incrível também os olhos cinzentos serem tão profundos. Depois de alguns segundos tentou voltar ao livro, mas era impossível se concentrar sob aquele olhar.

As palavras estavam presas na garganta dele, sufocando-o, claro que algumas frases soltas escapavam pela garganta e alcançavam os olhos e o pior é a certeza que ela podia compreender tudo o que estava lhe afligindo, passou aquelas últimas horas reunindo coragem para olhar no fundo dos olhos dela e falar absolutamente tudo que havia planejado durante semanas, mas como sempre acontecia sentiu-se desarmar pela franqueza daqueles olhos castanhos.

Buscando reorganizar os pensamentos, observou as sardas que ela tinha no nariz e as covinhas que se formavam quando ela sorria entretida com a história, como ela conseguia se perder facilmente nas paginas de um livro ele jamais entenderia, nem os seus rompantes e mudanças de humor e muito menos como ela havia se tornado alguém tão especial em sua vida. Respirou fundo mas quando pensou estar pronto defrontou-se com um olhar inquisidor e novamente as palavras se perderam...

Caminhavam pela rua lentamente, cada um perdido em seus próprios pensamentos, mas no mesmo andar compassado de duas pessoas acostumadas a caminhar juntos, ela queria fazer milhares de perguntas, sobre as decisões que ele tomara e principalmente que lhe explicasse como seria viver sem ele, sem as horas de conversa e o riso fácil, sem o abraço perfeito e as brigas pela última bala do pacote. Mas mesmo que fizesse todas essas perguntas e muitas mais, no fundo sabia que não haveria respostas suficiente para a tristeza da separação, ele decidira partir e isso era irremediável.

No dia da partida ele passou na casa dela, não era muito bom com despedidas e por mais que ela tivesse insistido em fazer uma festa ou de levá-lo até a rodoviária ele convenceu que a melhor despedida seria terem um momento só deles como os muitos que haviam compartilhado ao longo dos anos. Passaram a manhã toda conversando e ouvindo música, evitaram ao máximo a estranheza de que a partir do dia seguinte não teriam um momento como esse por tempo indeterminado ou talvez, nunca mais.


Um Comentário

  1. Oi, Bia!

    Meldels, que texto!

    Não sei se é coisa do acaso ou nossa "ligação", but... Você simplesmente conseguiu colocar em palavras uma situação que aconteceu há três meses comigo. E até hoje eu não consegui escrever nada sobre o episódio. Acho que é porque a ferida ainda não foi cicatrizada.

    A minha história foi quase igual: numa festa, disse pra pessoa que gostava dela, ela disse que era só amizade mesmo e no fim da festa acabou dormindo na minha casa. Não rolou nada entre a gente, mas acordar no outro dia ao lado dela, e conversar como se nada tivesse acontecido, foi (e ainda é) foda!

    Diferente de ti, a pessoa não se afastou. Continua bem viva e presente na minha vida. Já tentei me afastar, mas o sentimento de querê-la por perto é maior.

    No fim, sabe o que a gente tem que fazer? Absolutamente nada. Tô começando a acreditar que se a gente jogar tudo pro ar, colocar nas mãos de Deus e orar, tudo vai se ajeitar.

    A gente tem que só esperar com calma e com fé as coisas se ajeitarem.

    Nem preciso dizer que esse teu texto é lindo e profundo, né?! Arrancou algumas lágrimas ontem de madrugada quando eu o li.

    Bjs!

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