Ela olhou novamente para o espelho e limpou cuidadosamente o contorno da boca, tirando o excesso do batom vermelho, novamente as palavras ecoaram em sua mente "aceita que dói menos", frase simples, seca, vazia de sentimentos, o adeus mais doloroso que poderia ter recebido, naquele momento doeu mais que um tapa na cara, quanto tempo havia se passado? As primeiras semanas foram dolorosas, dia e noite fundiam-se diante de seus olhos e ela apenas deixava-se levar pela rotina... Não, não viu o tempo passar, as semanas transformaram-se em meses e dia após dia a tristeza e a solidão acompanharam seus passos, tentou se enganar, tentou fingir que não sentia, mas às vezes em meio a madrugada despertava e rememorava e remoía e as palavras ecoavam pelas paredes do quarto silencioso "aceita que dói menos"...

Ela encarou o espelho e os olhos maquiados a encararam de volta, as olheiras mal disfarçadas sob a base, os cílios espessos devido ao rímel em excesso e uma lágrima que parecia presa ao canto do olho, lembrou-se das noites insones de pranto abundante, das mil e uma lágrimas que verteu para aliviar o aperto no peito, porém sem resultados. "Aceita que dói menos" ouviu o sussurro em seu ouvido, como um sopro do passado e se perguntou se ele acreditava naquelas palavras mentirosas, ouviu também o riso debochado dele, enquanto uma única lágrima escapava por entre os cílios traçando um risco frio e negro em sua face. Floresceu a raiva, culpou o reflexo do espelho, enxugou com delicadeza a maquiagem borrada, examinou mais uma vez o rosto do espelho, empertigou-se e com a petulância que lhe era familiar saiu do quarto com passos precisos, a noite só estava começando.

Na festa sorriu amavelmente e foi educada com todos com quem conversou, discutiu os últimos acontecimentos da política, riu das piadas infames que lhe contaram, falou sobre as tendências da moda e sobre diversos gostos musicais, dispensou com delicadeza as lisonjas e as eventuais cantadas, provou as bebidas e os canapés e quando sentiu que não mais teria força para sustentar o riso forçado e a animação fingida retirou-se à francesa. No carro fechou os olhos aproveitando os minutos de silêncio, no caminho de casa parou em um bar e comprou algumas garrafas, a noite ainda não tinha acabado... Sentada no chão da sala ela se recostava no sofá enquanto tomava a sexta dose de vodka com gelo, tinha trocado de roupa e tirado o excesso da maquiagem, deixando alguns borrões pelo caminho. "Aceita que dói menos", ouviu o eco enquanto a bebida descia por sua garganta, o problema é que nunca descobriu o que deveria aceitar... Seria a decepção, o fim, a traição inesperada ou o fato de que seus sonhos, aqueles que sonharam juntos, jamais se tornariam realidade? Imersa no álcool e nas lembranças adormeceu encolhida no sofá.

Amanheceu com a cabeça latejando e o corpo dolorido, umedeceu a boca ressecada com o último gole da garrafa que estava jogada ao lado do sofá, cambaleou até o banheiro e jogou água fria no rosto, estava prestes a entrar no chuveiro quando decidiu ir para a cama, dormiu um sono pesado, sem sonhos e acordou sentindo-se bem. Sorriu para a garota despenteada do espelho antes de entrar no chuveiro e saiu do boxe pronta pra outra, vestiu um vestido florido leve para aguentar o calor, calçou seu all star surrado e pegou seu óculos de sol preferido, decidiu dar uma caminhada, enquanto fechava a porta ouviu novamente o eco do passado "Aceita que dói menos", mas dessa vez sorriu, o passado sempre fica marcado em nós, mas o melhor é olhar para o amanhã.


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