Ela estava deitada e o sol entrava pela janela, já era tarde, ela sabia, mesmo assim pesos invisíveis faziam com que fosse impossível levantar-se da cama. Mantinha os olhos fechados, mas por de trás deles um turbilhão de pensamentos trespassava-lhe a mente, eram questões que precisavam de uma resposta, coisas que deveria estar fazendo naquele momento, coisas que havia esquecido de fazer, pessoas que queria ver e que certamente faria bem ela ver naquele momento, lembranças da semana, lembranças de anos passados, pensamentos, sentimentos e sensações, saltavam de um para outro fazendo associações que conscientemente seria impossível de fazer, a mente é um lugar estranho.
Finalmente respirou fundo e abriu os olhos, primeiro viu o teto pintado de branco, sabia que deveria olhar para o relógio, mas era mais agradável encarar o teto, reuniu coragem e lentamente virou a cabeça em direção ao relógio que ficava na comoda do outro lado do quarto, mas ao invés de ver a hora, viu números desconexos piscando, sinal de que a luz havia acabado em algum momento entre as incontáveis horas que estava na cama. Já que não sabia que horas eram, decidiu que não se preocuparia e tornou a fechar os olhos. Agora podia ver os pensamentos como fotos sendo passadas muito rapidamente, de certa forma chegavam a ser engraçados.
Acordou assustada, tinha ouvido alguma coisa, a claridade alaranjada da luz da rua entrava pelas frestas da janela, da mesma forma que o sol havia entrado, não se lembrava de ter visto anoitecer, prendeu a respiração tentando encontrar o som que a acordara, mas só ouviu sons longínquos, claro, quando se mora numa casa imensa, sozinha que sons poderiam haver? Mesmo assim podia jurar que tinha ouvido passos...
Levantou da cama devagar, esperou os olhos acostumarem com a penumbra e caminhou até a porta, girou a maçaneta tentando não fazer barulho e prosseguiu até a cozinha, pé ante pé atravessando o corredor, atenta a qualquer outro barulho, a pilha de louça suja era imensa e toda a bagunça continuava no mesmo lugar, abriu a geladeira e pegou uma lata de refrigerante tomou metade, encostada na pia e depois largou em cima da mesa do corredor quando voltava para o quarto.
Não queria voltar a dormir, talvez pelas horas excedentes de sono ou apenas pela inquietante sensação de solidão que se apoderava dela centímetro por centímetro, decidiu ouvir música, o silêncio mostrava-se perturbador demais. Colocou os fones no ouvido e aumentou o volume até o último, infelizmente, com as músicas vieram as lembranças e com as lembranças vieram as lágrimas, imagens do passado e do futuro se fundiam, planos que jamais seriam concretizados e doces lembranças (quase) esquecidas. Ficou jogada na cama, sendo arrastada lentamente para o turbilhão de sentimentos do qual estava fugindo há dias, mas finalmente percebeu que é impossível fugir de si mesmo.


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